Artistas e coletivos da zona leste se reinventam para manter programação cultural

Os impactos da pandemia do Covid-19 nos bairros das periferias tem sido observados e documentados com bastante atenção, principalmente por ativistas e veículos de comunicações com atuação nestes territórios. Articulações como o boletim “Curva das periferias: negros e pobres diante da pandemia”,  surgido a partir de uma parceria entre os portais “Alma Preta” e “Nós, Mulheres das Periferias ”  ou como a “Frente Popular pela Vida”, que nasceu como resposta ao descaso do poder público para com a zona leste durante a pandemia, são algumas das iniciativas que merecem destaque nesse contexto.

Também não foram poucas as iniciativas emergenciais nas quebradas, que buscaram garantir a sobrevivência da população durante a quarentena, com arrecadação e distribuição de cestas básicas, máscaras, kits de higiene, entre outras iniciativas. Como sempre, são as próprias periferias organizadas que atuam onde o Estado tanto falha.

Mas, muito além de sobreviver, gerar dados e cobrar medidas efetivas do poder público em relação à pandemia, as quebradas ainda conseguiram fazer o impensável: criar e manter uma programação cultural online. Há muito que os coletivos culturais das periferias vêm reinventando a cidade, pautando a criação de leis e ocupando e transformando espaços abandonados em verdadeiros centros comunitários. Ao longo da pandemia, muitos desses coletivos encararam os desafios de transformar suas atividades para o formato online, mantendo viva a programação cultural periférica, que também tem fundamental importância num momento de isolamento e fechamento dos já escassos espaços de lazer.

Na zona leste, uma das iniciativas mais proeminentes é a do Movimento Cultural Ermelino Matarazzo: ao longo dos últimos seis meses, o Movimento criou três formatos fixos de programa online, além de realizar parcerias com diversos outros coletivos e organizações. O primeiro formato fixo foi o “Ao Vivo Pra Manter o Povo Vivo”, uma live musical que já contou com participação de diversos artistas da quebrada, como Yunei Rosa, Aloysio Letra, Banda Chá da Tarde, Samba de Tempo, Mads e Pezê, Beto Bongô, Uma Luiza Pessoa, Tiziu e Banda, Fernaum, entre diversos outros.

Outro formato fixo realizado pelo Movimento Cultural é o Abraço Poético, um bate-papo descontraído com poetas da literatura periférica. Passaram pelo programa nomes como Poeta Beká, Glaucy Alexandre, Gil Douglas, Yasmin Ribeiro, Juliana Jesus, Mariana Felix, Patrícia Meira, Luan Charles, Everson Anderson, Cleyton Mendes, Evolutio e Poeta Skimn. Ao longo do bate-papo, os poetas também realizam pequenas intervenções poéticas, matando a saudade do público que costuma frequentar a cena dos saraus e Slams da zona leste.

O terceiro formato criado pela rede de coletivos da zona leste foi o Ideia Quente, um bate-papo mais sério e com temáticas predefinidas, com debatedores convidados e mediação do próprio Movimento. Já foram tratadas as temáticas da educação, do brincar, eleições, aplicativos de entrega e também de tecnologias para lives na quebrada. Os programas agora estão sendo disponibilizados também em formato de podcast.

Além do MCEM, muitas outras coletividades da zona leste tem realizado atividades online, mantendo vivas a cena cultural periférica. O Grupo Batakerê, por exemplo, tem realizado apresentações impressionantes do espetáculo “Cânticos que Encantam”, fazendo o público mergulhar no universo das expressões afro-brasileiras.

Enquanto as produções do MCEM e do Batakerê tem acontecido prioritariamente no Facebook, o Periferia Invisível tem dado prioridade para o seu canal no Youtube. Lá, já disponibilizamos dez apresentações do “Live Show”, com apresentações de Luck Vas, Baobá, Ya Lima, Victor Cali, Ester Reis, Chá da Tarde, Miranda Caê, Karen Santana, Vitória Vanique e Lara Thomaz.

Além das ações de coletivos, muitos artistas da quebrada também tem se apropriado das ferramentas das lives para dar continuidade aos seus trabalhos. Entre os DJ’s, a plataforma Twitch tem se tornado cada vez mais popular, sendo utilizada por exemplo, pelo DJ Faul, que vem fazendo transmissões ao vivo com seus sets, utilizando como cenário um fundo de Chroma Key, um formato bastante diferente das lives  que os coletivos vem realizando no Facebook.

Elencamos apenas algumas poucas ações que vem acontecendo na Zona Leste neste período, mas a diversidade de iniciativas é tremenda. Arte e Cultura na Kebrada, Slam da Guilhermina, O Buraco d’Oráculo, Coletivo Coletores, Line Master, ZL 100 Registro, Brincando na Kebrada, Cia Canto de Omiô, Pretas Peri, Zumb.boys, para citar apenas alguns coletivos da zona leste, também vem realizando uma série de atividades online.

Independente do formato e das plataformas utilizadas, as quebradas entraram de cabeça no universo das transmissões ao vivo e vem mostrando que a efervescência cultural que experimentamos nas últimas duas décadas não é um fenômeno qualquer – nem mesmo a pandemia, com todos os seus desafios e contornos dramáticos em nossos territórios, foi capaz de fazer retroceder a produção cultural periférica.

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