Copa do Mundo de Slam de Poesias – Paris
1,2,3… é o tempo marcado para os jurados levantarem as placas das notas. É o tempo (biológico) que não duram três segundos ou esses três segundos (sociais) duram três longas horas que definirão sua permanência ou despedida do evento.
Em dezembro de 2013 venci as finais do Slam do13, Slam do Grito e SLAM SP – o Slam Nation do Brasil -, e garanti minha vaga, assim como mais dezenove poetas de 19 países, para o GRAND SLAM DE PARIS 2014: Coupe du Munde de Slam de Poésie da França. Segue o relato da minha experiência:
Slam é um campeonato de Spoken Word Poetry (Poesias Faladas), começou na década de 80 em Chicago, EUA, e rapidamente se espalhou pelo mundo. Suas regras básicas: textos autorais, duração máxima de 3 minutos, sem a utilização de figurinos, adereços e acompanhamento de instrumentos musicais.
O torneio funciona da seguinte maneira:
– quatro chaves (com cinco países. Passam três)
– duas semifinais (com cinco países. Passaram três)
– uma final (com seis países. Um campeão)
Depois de 11h de voo fiz a conexão em Londres, cinco terminais e metrô para circular entre eles, espera de mais de 3h depois de rigorosas revistas até com cães farejadores, e, depois de mais 1h hora dentro do avião, desembarquei em Paris no domingo a tarde direto para o apartamento de um casal próximo a sede do escritório do Slam. Vindo de voos diferentes, apenas a noite encontrei com minha companheira Cristina Assunção e sua filha Iara. Estamos realizando um sonho, Cristina é historiadora e professora de História estava sedenta para conhecer a cidade e também para acompanhar o evento na torcida e nos registros audiovisuais. Se hospedaram na casa da Shislaine, amiga brasileira que reside há três anos em Paris, pessoa fundamental para acolhimento das duas assim como para nos apresentar a cidade e ser voluntariamente nossa tradutora no evento e nos rolês. Merci.
O primeiro dia, segunda-feira, assistimos ao divertido Slam Interescolar. Crianças de escolas de diversas cidades da França chegavam empolgadas ao Teatro fazendo barulho, cantando, sorrindo. Levaram faixas, cartazes, gritam o nome da escola e dos poetas representantes de suas respectivas escolas. Tive a oportunidade de sentir a energia e a seriedade que como é levado o Poetry Slam na Europa. As crianças recitavam seus poemas dentro do mesmo formato de competição dos adultos com o sistema de notas somadas automaticamente pelo computador e projetadas no telão. Tinha o desejo de realizar um Slam com crianças e ao presenciar me sentir no dever de iniciar no local onde trabalho.
O Segundo dia, terça-feira, foi a inauguração oficial do evento na câmera dos vereadores da municipalidade de Paris, participaram todos os poetas, comissão organizadora, patrocinadores e políticos. De lá fomos de ônibus para o Teatro onde ocorreu a as duas primeiras chaves da COPA. O Teatro de Belleville não cabe mais que trezentas pessoas, parecido com o Flávio Império, teatro do cangaíba. Estudando os adversários e observando o evento penso que não é uma Copa do Mundo como a de futebol, não acontece em quatro em quatro ano e não há rotação de países sede. Acontece todos os anos e na França. E os jurados são escolhos na hora, assim como manda o Slam, mas na hora e no local, o público é francês. Logo, você é julgado pelos franceses, seria muito interessante se os jurados fossem de diferentes nacionalidades acredito que o resultado poderia ser mais variados, até o momento só venceram: Canadá, EUA, Inglaterra, França, ou seja o dito “ocidente”. E boa parte dos participantes são de países francófonos ou de origem inglesa eu era o único representante latino, para se ter uma ideia da América só haviam três países: Brasil, EUA e Canadá dividido em Canadá e Quebec (que apesar de ser um único país, a França entende, por questões políticas, além da língua, que são nações diferentes). É um respeitado evento de Spoken Word Internacional, sem dúvidas. A organização leva a extrema seriedade trabalhando o ano inteiro para realização em uma semana desta bateria de atividades inclusive para além da copa, há o Slam Nacional, o Slam Interescolar entre outros.
O Terceiro Dia, quarta-feira, às 21h foi o dia da minha estreia. No Brasil as pessoas acompanharam ao vivo pelo site da Federação Francesa de Slam de Poesias e comentaram nas redes sociais. Eu sabia disso e o nervosismo e a responsabilidade aumentava. Eu fui o último poeta da última rodada a recitar. A primeira poesia que escolhi para abrir os trabalhos foi a primeira poesia que escrevi para um slam, e que já havia me rendidos belos frutos. Além de titulo do meu livro inaugural “A Massa”, o título de campeão do ano ZAP-Slam em 2010 fato que me motivou a me dedicar radicalmente a esta arte. Este texto tem um jogo de palavras de massa em vários sentidos desde massa de bolo até massa de gente, e na tradução isso se perderia, era o que mais ouvia. Subi ao palco e olhei a plateia com alguns segundos e iniciei com a palavra M, a minha pele arrepiou, a cada palavra eu lembrava dos saraus que participei, de onde falei esta poesia e naquele momento estava na França em um campeonato internacional. E foi a nota mais alta da rodada. Massa realmente funciona em qualquer lugar, eu não estava errado. Mais confiante fui para segunda rodada com a poesia “Somos Todos da Leste” esta já é uma história, não tem jogo de palavras, segue uma narrativa linear com analogias sociológicas, mas o assunto é um tanto “especifico”, precisaria entender o contexto do funk ostentação de São Paulo para se ter o entendimento total do texto. Mas o essencial chegou, e as notas foram ainda mais altas, pela segunda vez tive a maior nota da rodada. E pra finalizar falei a poesia “França ou Eu: O menino a puta, a travesti” que escrevi especialmente para este momento, a mais de um ano atrás, e que muitos não acreditaram que eu teria coragem de recitar aqui e que se o fizesse tomaria notas tão baixas que não me classificaria. Desta vez eles tiveram parcialmente razão. Foi a minha menor nota na rodada, porém a segunda melhor nota do round e consegui me classificar para a semifinal. As lágrimas escorriam de meus olhos, um choro contido, mas um choro. Sai da Zona Leste e atravessei o oceano com objetivo primeiro de recitar este poema que escrevi pra França, desejo antigo de esfregar na cara do velho mundo toda a exploração e humilhação que nos fizeram no passado, e segundo para passar de fase. O choro também foi de satisfação.
De lá fomos ao escritório do Slam Produções para o sorteio da ordem e do dia da semifinal. Cai no Grupo 1, possivelmente o mais difícil: Dinamarca, Rússia, Brasil, EUA, Canadá e Quebec sendo estes últimos três os países com maior tradição em poesias faladas. Não teria muito tempo para me preparar, pois a nossa apresentação seria no dia seguinte. O Grupo 2 comemorou por ter um dia a mais para se prepararem. Mas se estava na chuva era pra me molhar e não tinha pra onde ir a não ser para o parque de Belleville de manhã para meditar e treinar.
A primeira fase terminada e com alivio de ter passado para semifinal, analisei os perfis dos classificados e me veio a questão: Haviam quatro países da África: Congo, Togo, Madagascar e Maurício e por que nenhum desses países não foram pra semifinal?
Suas apresentações foram ricas em sonoridades, conteúdo e originalidade, são de países de colonização francesa portanto falam francês, mas recitaram em seu idioma local, mais do slammer são contemporâneos griots resistindo ao imperialismo. Apesar de toda diversidade de idiomas, culturas os jurados eram, unicamente, franceses. Estudei francês durante dois momentos da minha vida, primeiro na adolescência e agora para poder me comunicar. Confesso peguei preguiça desse sotaque, desse modo enjoado de se relacionar. Voltei sem vontade alguma de continuar a estudar este idioma, pelo menos, por enquanto.
O quarto dia, quinta-feira, ao acordar e acessar pelo celular o Facebook meus olhos se encheram novamente de lagrimas ao ver a campanha #somostodosdaleste, #alcaldemerepresenta, #vaibrasil. Postagens de fotos que tiraram comigo no passado. Que loucura. A responsabilidade aumentou assim como a alegria ver tantos amigos, amigas, conhecidos, desconhecidos e alunos da minha professora do colégio com cartolinas abraçando a campanha. Nossa senhora… Eu não podia fazer outra coisa a não ser vencer. E fui convicto ao Teatro de Belleville. Vesti a camiseta do Santos F.C. Os africanos, em sua maioria, conhecem e torcem para o Santos, respeitam a história do glorioso alvinegro praiano. Além dos africanos, Ikenna do Canada também é santista. Só que estávamos naquele momento histórico representando nações diferentes e com ele eram poucas palavras.
Pelo sorteio da ordem de participação fui o penúltimo na primeira rodada.
Comecei com a poesia “Sr. da Limpeza” que era a maior dúvida porque falava de São Paulo jogando com as palavras, com os nomes dos bairros relacionadas com a higienização étnico-racial da gestão anterior. Tirei e coloquei varias vezes da lista, que enviei a produção alguns meses antes da competição. Mas resolvi manter pois é uma poesia que consigo vocalizar, represento dialeticamente um personagem nazista, e isso é muito forte e me possibilidade mostrar o meu trabalho de ator. As notas foram baixas, tomei dois oito ponto alguma coisa que me irritaram profundamente, achei que estava eliminado, apensar de ainda faltar mais dois poemas. Mas as notas para os outros poetas nesta primeira rodada da semifinal também foram baixa, mas isso não me acalmou e novamente fiquei com a segunda melhor nota, empatado com o canadense. Estava sem os óculo e não sabia disso, sabia apenas que tinha mandado muito mal e que eles não curtiram ou não entenderam. Fui pra segunda rodada com o ódio contido e optei com uma poesia oposta, mais lenta, introspectiva. Digamos que um tanto que “universal”. A segunda poesia “Corvos Grafitados” texto dramatúrgicos criado na escola de dramaturgia com o mote: Van Gogh e Artaud e a performatividade do teatro. E funcionou muito bem, as notas foram melhores e mais uma vez foi a segunda melhor nota. Agora sem escolhas (é preciso enviar previamente seis poemas), a última poesia “Meus Heróis não Morreram de Overdose”, uma resposta a canção Ideologia do Cazuza, onde destaco personagens do Brasil e do Mundo que lutaram e morreram por sua causa, este texto é construído com variações de ritmos e com rimas com finalização OSE, diferente da segunda e não tão especifica quanto a primeira, consegui um décimo a mais sendo a melhor nota da rodada, novamente empatado com o canadense, esse cara me perseguiu o campeonato inteiro, porém na somatória de todas as notas passei para a final em primeiro lugar! Com o celular da amiga Shis, entramos na internet e descobrimos que a transmissão havia falhado e ninguém sabia do resultado e todos perguntavam se eu havia passado ou não. Cristina em um comentário de uma postagem escreveu: passou. E a noticia se espalhou rapidamente. Ele passou!!! A Cristina confirmou. Nem eu acreditava. Estava na final!! Esta rodada é decisiva, possivelmente as melhores pedradas são mandadas na fase inicial, todos querem passar de fase. A não ser que o poeta tenta seis poesias incríveis.
A campanha no Brasil aumentou e já programavam, sem eu saber, uma festa para comemorar o título. Prometi que se ganhasse teria churrasco e pagode na Cohab I. Mas ainda tinha a FINAL. No outro dia iria definir os outros três concorrentes oriundos do Grupo 2.
O Quinto dia, Sexta-feira, aproveitamos para passear e conhecer Paris: Escrevi os nossos nomes no cadeado e prendemos nas grades do Rio Sena e jogamos as chaves no rio. Fomos ao Museu do Louvre, Sacre Couer, Notre Dame, Torre Eifel. Ônibus turístico e tudo mais. Agora eu podia, meu irmão, aqui não paga comédia pra ninguém!!!!! (soltando explosivas gargalhadas e se recompondo para prosseguir o raciocínio)
Dentre os participantes e equipe de produção rolavam o comentário: Brasil e o Canada são os favoritos, estava claro desde a primeira rodada. Não acredito em favoritismo acredito em trabalho, e também um pouquinho em sorte.
O Sexto dia, sábado, Retornei ao parque ao lado da minha hospedagem e teria que escolher três poemas para falar na final, a escolha dos poemas é fundamental e uma escolha errada pode mudar todo o jogo e te tirar dele. Antes de ir ao parque assisti aos vídeos que a Cristina havia gravado. Na minha cabeça havia uma sequencia montada. Não falaria a poesia da França por acreditar que as notas não tinham sido boas, e também que o recado já tinha sido dado, e ao assistir o vídeo vi que não era tão verdade assim, as notas foram razoáveis. Sabia onde tinha errado, no texto tinha uma frase escrita duas vezes e falei conforme o texto, porém a tradutora só colocou a frase uma vez (nos três idiomas) confundindo a pessoa que troca os textos no momento que se fala, fazendo com que o público e os jurados não acompanhassem a escrita prejudicando o meu desempenho e influenciando as notas. E também exagerei na interpretação, apontei o dedo de mais. O diabo implantou a duvida na minha cabeça. Roberta Estrela D’Alva que ficou em terceiro lugar em 2011, me orientava, me orientou desde o inicio e estava on line minutos antes da final. “Não vá com a sequencia fechada, observe o momento, o clima”. E decidi ensaiar as quatro poesias. Foram elas: Massa, Daleste, França e Corvos, a dúvida era entre as duas últimas. Voltei ao quarto e na internet a campanha aumentando, mensagens in box de incentivo vindo de vários lugares do país.
Qual seria a minha vestimenta? Programei de ir com a camiseta da seleção brasileira de futebol, personalizei com o meu nome, mas podia soar negativamente, já tinha detonado os franceses na terra deles, poderiam me chamar de nacionalista, e a proposta não era esta, a causa é internacionalista. Slam sem idiomas, sem fronteiras. Fui com a camiseta vermelha do Slam da Guilhermina. A várzea poética paulistana.
A ordem de entrada dos poetas foi decidida no palco e fiquei com a letra D (o quarto a falar). A hora era essa. Sonhei com este momento. A mais de um ano que vinha me preparando. A ansiedade não me permitia ficar sentado e em pé com o fone de ouvido do celular preparei três musicas: a primeira não posso falar, é segredo, a segunda funk do M.C Daleste e a terceira Negro Drama dos Racionais M.C’s. Uma musica para cada poesia. E quando anunciava o poeta que me antecedia eu me levantava e colocava o fone de ouvido. Comecei como na primeira rodada, “A MASSA”. Considero a minha melhor apresentação da vida, nunca falei tão calmo e preciso, foi a maior nota da rodada. A segunda “Somos Todos da Leste” titulo da campanha no Brasil, antes de começar sinalizei para não contar o tempo, pois eu tinha algo para falar ao mundo: Cangaíba, Zona Leste, Brasil, América Latina e inicie a poesia. Poesia que homenageio o cantor de funk morador de Cangaíba, M.C Daleste e naquele dia 07/06 contemplaria exatamente onze meses que fora assassinado. Obtive a segunda melhor nota, atrás apenas do rapper de Quebec que ultrapassou o tempo e perdeu pontos. E a terceira poesia? Ah tive que fazer a opção e escolhi fazer aquela que me levou para aquele lugar, sabia que isso poderia me prejudicar, mas fui lá pra dizer o que eu penso e representar meu povo. O Teatro estava lotado, o bairro é de imigrantes, a plateia tinha muitos estrangeiros, entretanto os jurados eram franceses. Com mais frieza, e com ironia recitei “França” e tive a segunda melhor nota. O resultado demorou pra sair. E de repente o enunciado: Brasil e Canada.
Chamaram-nos ao palco. Solicitou que tirássemos o jokenpô, eu nem lembrava como se brincava disso e não entendia o que o apresentador queira dizer, se quem ganhasse na brincadeira seria o campeão ou se era pra escolha da ordem da apresentação. Um sujeito de Nicarágua que falava português subiu ao palco em explicou o que estava ocorrendo. Perdi no jokendô. E o canadense escolheu falar por último. Lógico, eu faria o mesmo. Desnorteado, ajustei o pedestal e fui para o computador escolher mais uma poesia para falar. Me deu um branco. Nem lembrava que havia treinado “Corvos”, observava a lista e só sabia que não podia repetir nenhuma das recitadas daquele dia. E a pressão dos organizadores aumentava para eu começar logo, decidi manter a mesma vibe com “Meus Heróis não morreram de overdose”. As notas foram altas, mas perdi no desempate. Não consegui comemorar o segundo lugar. O segundo só sobe ao pódio para parabenizar o primeiro (Daniel Alves). Muitas pessoas vieram me dar os parabéns pela participação e pelo lugar que tinha chegado. Fui tão longe que podia ter matado a jogada. Escolhi a poesia errada? A ordem errada? Tantas perguntas que me fiz e que ainda faço, impossível de responder. Demorei para aceitar a derrota. Ainda não digeri. E desta vez a transmissão tinha funcionado e no Brasil já sabiam do resultado. Se emocionaram e escreveram frases de incentivo: Que eu havia representado muito bem o nosso país e que eu era o vencedor. Na fala de agradecimento o Ikenna, canadense que a dois anos trás havia ficado em segundo lugar na Copa, falou que eu havia o ajudado a superar o seu limite, se esforçar o máximo. Um dos melhores slammers que já vi ao vivo. Não foi fácil pra ele. Ficou evidente que a literatura e a performance brasileira não esta abaixo de nenhum outro país, foi no mesmo nível do começo ao fim. Por muito pouco não quebramos a hegemonia ocidental. A busca pelo Santo Graal continua. Neste três minutos máximo de duração do poema precisa mostrar tudo que aprendeu em toda na vida, das minhas aulas de teatro, dos saraus da periferia paulistana que frequentei, minhas experiências pessoais e coisas que nem imaginava que existiam, limites que nem saberia que poderia chegar e ultrapassar. O que tenho a dizer ao povo brasileiro é que eu gastei o máximo das minhas energias para vencer. E que se não o fiz é porque ainda faltou um décimo, um respiro, um detalhe que faz toda a diferença em arte, e como eu aprendi no Kung Fu: Há sempre alguém melhor do que você em algum lugar. Por isso é necessário a humildade de aceitar onde chegou e se preparar para a próxima batalha.
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