Amar Como Um Ato Politico ou Amor Como Um Problema de Estado

Se existe ou não existe amor em SP na verdade pouco importa. Mesmo porque, existindo ou não, toda uma teia complexa de relações entre o relaxamento proposital da esquerda para o poder e a direita disfarçada de bem feitora cultural usou da propaganda do amor para o voto. Uma articulação estranha entre eixos fora de si, capiléres donos de muitos artistas, simbolismos nascidos da dura realidade da quebrada, #digitalóidesdesxcoladosquepõehashtagemtudo e a necessidade do novo pela classe média paulistana empobrecida de muitas coisas, cultura sobretudo,  formou em plena Praça Roosevelt, reduto da oposição peessedebista, um occupy do amor clichê rosa (eu estava lá, segurando uma smirnoff) em nome de uma eleição desesperada. Deu certo em partes. O problema é que amor é feito de inteireza e sua insurreição durou pouco, por puro marketing.

Prefiro começar por outro olhar do amor, anárquico um bom tanto, de enunciado afirmativo: amor é um problema de Estado, não sua solução. Amar sempre implicará em poder, de quem para quem, de quem sobre quem, do poder amar e do amar como poder, amor como parte constitutiva do processo de estabelecer relações (ufa!) de poder, como é na política. Desde a definição de Pólis pelos gregos, em sua tentativa civilizatória clássica, a dominação do outro por meio das relações de afeto são parte importante do jogo (não, não estou viciado em Game of Thrones). Passados milênios consolida-se como cultura ocidental dominante o amor cristão, sendo o coração o meme maior do amor do pai pelo filho e do filho pelos irmãos. Ave Maria, para você presentear o seu namorado ou a sua namorada com uma caixa de bombom em formato de coração no Dia dos Namorados foram só alguns séculos de propaganda bem sucedida. Uma relação estreita entre religião e mercado. Relações de amor e poder – constituição do Estado.

Puxa, não vou conseguir mesmo escrever sobre amor verdadeiro. Me desculpe se te fiz chegar até o terceiro parágrafo com esta expectativa. O que seria amor verdadeiro se não mais uma invenção do que é verdade para ti?

 

Vamos falar de realidades possíveis de amar

Realidade 1 – Amar como Foucault

É provável que enlouqueça em uma neurose profunda tentando estabelecer relações entre aquilo que ama e o tanto que há de microfísica do poder em cada uma de suas atitudes no ato de amar. Mas se conseguir minimamente reconhecer o poder opressor a que submete aquilo que ama,  poderá transformar as relações. O gozo seria profundo, se fazer amor for também um ato de libertação do corpo em sua potência. Claro que em Foucault há um bom tanto de ‘pulsão’, há Reich e há Nietzsche.

Realidade 2 – Amar como Dalai Lama

Não é só uma questão de amor como transcendência, mas de amor como resistência. A realidade política do Tibet é inversa à proposta budista de relação entre pessoas, natureza e espiritualidade. A mesma China taoísta desempodera para dominar, os tibetanos amam para lutar.

Realidade 3 – Amar como Deleuze

Sua rede de relações e,  portanto,  conexões pode ser tão grande que irá se perder no rolê. Calma, se perder é bom. Só os perdidos tem a oportunidade de experimentar diferentes caminhos. O importante é não querer acertar, pois as possibilidades de acontecer um encontro interessante são diretamente proporcionais ao Tinder. O que poderia ser um aplicativo revolucionário na política. Imagina se não existisse partidos políticos, nem políticos de profissão, mas cidadãos conectados para estabelecer relações livres de legendas partidárias para ações políticas concretas?  Como seria o Estado?  Diluído,  ou distribuído,  melhor,  rizomático. Mas para isso é preciso estar aberto para amar de for a rizomática também.

Realidade 4 – Amar como Hakin Bay

Piratas anarquistas não amam. Porque amar é presença e não ausência de poder. Uma proposta anárquica não comporta relações que corram o risco de arraigar em algo. Mas poderia ser o amor móvel, livre, plural. A ausência de poder não é definitiva, habita as TAZ – Zonas Autônomas Temporárias – portanto pode o amor não ser apenas aquele ideal eterno nesta realidade anárquica, sem deixar de ser amor. Afinal a idéia de amor eterno vai, ao longo dos anos, de um simbolismo religioso cristão para o amor romântico. A idéia de casamento monogâmico cristão como reprodução da imagem de José e Maria em união devota à Cristo,  concretiza-se na visão moderna como um contrato social que assegura à família a reprodução do Estado. Anarquicamente falando, amor é bom e vem depois.

Realidade 5 – Amar como Manuel Carlos

Só se for drama burguês e a protagonista se chamar Helena. Um amor classe média (para gerar ódio na Marilena Chauí) que guarda em suas tramas os mais mentirosos modelos de felizes para sempre. Esse amor imprime um poder perigoso e é a manifestação do próprio Estado. Apesar de nos trair,  nos fazer sofrer,  chorar, sofrer de novo, traz presentes,  perde perdão e casa conosco no último capítulo.

Realidade 6 – Amar como Pinochet

A ditadura do amor. Amamos assim a todo tempo, porque no fundo somos obrigados a amar do mesmo jeito.

 

Amamos do mesmo jeito o tempo todo

 Pausa para um testículo escrito há algum tempo no meu blog:

da série

A Moderna Ditadura do Amor ou Porque Pinochet Não Veio Dizer Que Me Ama?

#3

E me demorei um pouco mais… um bom tanto, digo! Porque é muito amor! Que distribuo, já que não me pertence; e nem a ninguém, por isso amar é livre e é ser livre. Não se vende amor em mercado, nem se registra escritura de posse ou número de protocolo, contrato com fiador ou de fidelidade. Há de ser teu amanhã esse amor e há de ser nosso todos os amores possíveis. E há de ser de ninguém também. Pois há muitas formas de amar e de todas, prefiro essa da qual me lanço sem saber se há lança, dança ou travesseiro. E se me pedes um amor cangaceiro, não posso senão em guerra, ser de paz em Lama, Da Lai, Lampião e Maria Bonita cerrarão em dias decapitados por um amor exposto em prateleira. Isso é o que a ditadura faz, não se deixa amolecer pelos sentimentos verdadeiros e, pimba, mata-os e expõe pra dizer que matou: lição moral: não ame se não for a mim, tal qual. Também não me importa… não me importa a ditadura do tempo. Não me importa se me fazes dividir as horas se nosso ponteiro é o da vida. Jogo o relógio fora e deixo, só deixo… deixar amar é rima fácil de ação difícil… coragem é preciso. É preciso coragem para amar.

Essas realidades são todas realidades inventadas por mim, suposições, ensaios. Uma visão minha do amor e do amar de outras maneiras. Sempre partiremos de nós mesmos não é mesmo? Sim. Mas o amor só nos torna a realidade plena, qualquer que seja a sua visão da realidade, em relação com o outro. É aí que torna-se um ato político em sua radicalidade, porque transformar as formas de amar em si é entrar numa trip sem volta nas mais profundas relações sociopolíticas – ‘sei que nada será como antes amanhã’.

É possível encontrar nas diversas formas de amar, diversas e livres, portanto, pistas para uma política do afeto? O Estado nos ama, sem dúvidas. Nos ama como amam os maridos do patriarcado. Qualquer forma de Estado é regulador daquilo que sentimos. Nos libertarmos desse amor escravo é um problema de Estado porque colocaria em cheque sua própria existência: e se fôssemos capazes de estabelecer livres relações sem sua mediação? Há um longo percurso aí,  porque o Estado como se constitui em um todo complexo regulatório, encrustrado de valores econômicos, de mercado, religiosos e culturalmente hegemônicos, está pulsando em nossos corações, baby. Reproduzimos isso a todo momento em nossa vida cotidiana. O tempo todo. Quer o Estado que amemos do seu jeito. Mas eu não te amo Estado! Não me cabe em ti essa monogamia política!

Ora, mudar a mim, tão somente. Como amar diferente? Não existe resposta. Pode ser que só exista alucinações que sobraram passadas as ressacas de Woodstock. Mas se vale a tentativa de escrita é porque há a tentativa de pensar esse amor, ora programa eleitoral, ora telenovela, um pouco mais revolucionário, mesmo sendo a revolução um nostálgico horizonte amável.

 

Ame se puder. Só faça política se puder amar.

Um comentário em “Amar Como Um Ato Politico ou Amor Como Um Problema de Estado

  1. Parabéns! Que texto maravilhoso, interessante o destaque para o ato de amar, que é carente de liberdade ao mesmo tempo em que é um ato político.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *