“O que pensa você do Brasil de hoje? ”

“O que pensa você do Brasil de hoje? ”

Esta é a pergunta-provocação que a II Feira Antropofágica de Opinião quer saber de 40 grupos artísticos, que vão responder, cada um à sua maneira, em quatro dias de evento

 

Criado pela Companhia Antropofágica, grupo paulista de teatro situado no bairro da Pompeia, a II Feira Antropofágica de Opinião acontece na emenda de feriado – entre 4 e 7 de junho, das 14h às 22h, no Memorial da América Latina, Barra Funda. A programação está recheada de músicos, poetas, artistas plásticos e coletivos audiovisuais. Além, claro, dos grupos de teatro, que apresentam, cada um, uma cena com duração de 15 a 20 minutos, distribuídos pelos quatro dias. O evento, custeado pelo incentivo estadual à cultura ProAc, foi inspirado na 1ª Feira de Opinião, organizada em 1968 pelo Teatro Arena e idealizada pelo diretor teatral e criador do método Teatro do Oprimido, Augusto Boal.

Em conversa longa com o diretor do evento, Thiago Reis Vasconcelos, a luta através de movimentos sociais e a necessidade de provocar a reflexão coletiva na classe artística e trabalhadora sobre o cenário sociopolítico atual do Brasil, foi o cerne de toda entrevista.

A I Feira Antropofágica de Opinião aconteceu no Tendal da Lapa no ano passado. O que, além de se mudar para o espaço do Memorial da América Latina, traz de novidade a segunda edição?
A novidade maior é que nessa edição realizamos dois eventos pré feira, que demos o nome de ciclos de debates. Foram dois encontros abertos ao público, no qual Paulo Arantes, filósofo e professor aposentado da USP e a professora de sociologia da FGV, Silvia Viana, dois pensadores bem críticos ao que está acontecendo no Brasil, puderam colaborar trazendo ainda mais provocações para a nossa discussão acerca de produção artística e da necessidade de nos mantermos organizados e na resistência. Fora isso, dobramos a quantidade de grupos artísticos na programação. No ano passado foram 20, esse ano são 40, incluindo alguns grupos de teatro do interior, como o Rosa dos Ventos e o Teatro da Neura. Fizemos questão de convidar todos os grupos que participaram no ano passado, porque a feira tem esse caráter de construção no coletivo, de pensarmos juntos as tantas diferentes respostas que vêm do tema proposto. Entretanto, alguns desses grupos ficaram de fora da programação por conta de suas agendas. O TUOV é um exemplo disso e lamentamos muito eles não poderem estar conosco novamente esse ano.

E teve também a inclusão de novas linguagens artísticas… Conta um pouquinho como foi pensada essa curadoria e por que a escolha desses artistas?
Sim. Dentro da vontade de ampliar a edição passada, pensamos em chamar pessoas que tivessem um trabalho que dialogasse com a ideia de resistência na expressão artística. Teremos artistas plásticos, coletivos de audiovisual, grupo de rap, coletivo de grafitte, poetas e músicos. A ideia também veio para que as pessoas possam circular mais pelo espaço. As apresentações musicais serão em um palco específico, o espaço para as cenas teatrais será outro, a projeção de audiovisuais acontece ao ar livre e poderá ser vista de diversas partes do evento. Em relação a curadoria da Feira, tem um pouco de acaso e disponibilidade. A da primeira edição foi feita de forma mais prática, basicamente buscamos por grupos com proximidade ideológica ou que, de alguma forma, se encontrava em processos de luta por leis de cultura e de luta em movimentos social, estudantil e sindicatos. Quisemos também chamar grupos históricos como o Engenho e o TUOV, porque são grupos importantíssimos para a formação de grupos mais novos, de 10 ou 15 anos de estrada.

 A Feira pensada pelo Boal estava contextualizada num momento de ditadura militar, coisa que hoje não temos mais, mas ao mesmo tempo sofremos uma ameaça constante pela aparição nas ruas de movimentos mais radicais de direita, de pessoas que são a favor de intervenção militar, por exemplo, mostrando a cara sem medo ou vergonha…

Pois é! A feira idealizada pelo Boal foi um movimento de resistência explícito, de uma importância histórica gigante. Hoje em dia é diferente e muito parecido ao mesmo tempo. Porque muitos elementos da ditadura não foram derrotados no nosso país. A gente vê isso claramente na violência policial que aparece mais em episódios de manifestações na rua, mas que acontece todo dia nas favelas. Também na distribuição social como um todo no Brasil. Então, a Feira provoca os artistas a dizerem o que pensam sobre a atual conjuntura e também instiga o público a refletir sobre este Brasil contemporâneo, fomentando a reflexão como uma função social da arte. Além de ser um exercício de resistência e um lugar de mostragem do que está sendo produzido e por quem, é também uma oportunidade de construirmos juntos processos reflexivos, para estarmos coletivamente resistindo nesse período em que manifestações fascistas e burguesas reúnem pessoas nas ruas, que mostram suas caras sem medo ou vergonha como você bem disse, para dizer que a classe trabalhadora já conquistou tudo o que tinha que conquistar e agora chega, porque o pobre já ganhou muito. E por outro lado, fortalecermos as lutas que vão às ruas por melhores condições de trabalho, os grevistas que se colocam parados em suas funções para reivindicar por direitos, e também na organização de uma classe artística que sabe muito bem as dificuldades e quais são as pautas principais que não podem deixar de estar na agenda. E que é dever nosso, trabalhadores da cultura, cobrar.

Quando vocês perguntam o que os artistas pensam do Brasil de hoje, qual expectativa de resposta? Há esperança, luta, sonho? E a partir de qual perspectiva que vem tudo isso?

As perguntas são para o movimento de teatro, para os músicos do hip hop, para artistas independentes… então virá uma resposta coletiva e ao mesmo tempo cada um trará uma visão personalizada. Tem grupos que falam da relação da violência no mundo do trabalho, outros falam de racismo, outros respondem bem as questões da opressão que a mulher sofre. Outros têm uma resposta de problemáticas mais universalistas. O objetivo é refletir sobre todos eles e em 4 dias produzirmos um esboço de respostas que vão maturando. Entendemos que a resposta está em movimento, está em construção, inclusive contando com as diferenças de pensamento de cada artista ou grupo, que têm diferentes posicionamentos – ético, estético e político, de se manter fazendo arte.

 

Para o ator Fernandes Junior, diretor do Teatro da Neura, é uma responsabilidade imensa fazer parte da programação da Feira.  “É a primeira vez do Teatro da Neura na Feira Antropofágica e  tentaremos provocar uma reflexão sobre uma certa apatia social da maioria dos artistas no mundo de hoje. Se contentam em apenas fazer sua arte, não se colocando na prática ao lado dos movimentos sociais. Além de sempre estarem disputando entre si os editais públicos. Levamos um pouco essa coisa da função do artista e da sua arte na sociedade. Achamos que precisa haver avanços importantes para que até mesmo as políticas públicas evoluam mais rápido. Dessa forma vamos aprender demais vendo os outros grupos se apresentarem nos outros dias e tentaremos colocar nossa reflexão para esse monte de gente boa e lutadora que estarão por lá”.

A psicanalista e atriz Cecília Boal, viúva do dramaturgo criador do Teatro do Oprimido, define o evento como sendo “uma feira itinerante e cigana, que se tornou uma romaria”. Cecília participará da mesa de abertura da II Feira Antropofágica de Opinião, quinta-feira às 14h30. Apesar de não constar no material impresso de divulgação – porque a inclusão aconteceu posteriormente, o Teatro do Oprimido terá sua representação no sábado às 17h30 com a cena em formato de teatro fórum “Marcou na área é crime!”, do Grupo Sem Fronteiras de Teatro do Oprimido, que também aproveita sua participação para divulgar o Encontro que leva o mesmo nome do grupo, a ser realizado entre os dias 4 e 6 de setembro, em Santana de Parnaíba. “Para nós do grupo é um privilégio marcar presença com teatro do oprimido num evento que se propõe a discutir o contexto histórico que vivemos e questionar a função social que a arte pode ter em comunidades e ao lado de lutas de movimentos sociais. Fora o prazer que é estar entre artistas e grupos que gostamos tanto…” diz o ator e curinga Weber Carvalho.

  

SERVIÇO
II Feira Antropofágica de Opinião
Quando:
 04 a 07 de junho, 14h às 22h
Onde: Memorial da América Latina (Estação Barra Funda do Metrô)
Quanto: Gratuito
Capacidade: 240 pessoas (público rotativo)
Informações: 11 3871-0373 / 992690189

ou na página do evento: www.facebook.com/events/1443207145979923

 

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