Sobre a necessida de assumir-se

É sempre um grande pensar sobre o que escreverei a cada mês por aqui.

Neste abril, em meio a turbulências que intensificaram as ações-respostas, tais como o estupro ocorrido na estação República com uma jovem trabalhadora terceirizada da empresa “ProData”, responsável pelas recargas de bilhete único ou o próprio PL4330 que visa implantar a terceirização ampla e irrestrita às empresas, ocorreu-me escrever sobre “assumir-se”.

Como assim escrever sobre algo pessoal e individualista demais?

Pode até soar tudo isso mesmo, contudo toma forma a  partir de todas estas práticas ocorridas neste mês e ganha significado no âmbito social – tal qual a técnica arco-íris do desejo do teatro do oprimido que parece ser tão individual mas que na verdade está a refletir as opressões sociais interiorizadas.

Meu primeiro “assumir-se” será o de ser feminista. E para tanto não preciso de justificativas. Nem para você que me olha e me diz – Coitada, se continuar assim jamais vai arranjar um marido (além de eu dizer um grande “Ufa”, sigo seu conselho e continuo assim, feminista sem marido mesmo. “Ufa”) nem para você que finge não perceber as hierarquias de gênero e banaliza opressões em forma de gracejo, quando não corrobora com o que está posto aí, midiatizado e apresentado de forma natural. Para tanto Brecht sempre acompanha afirmando que “é preciso ESTRANHAR tudo que é POSTO como natural” (e o estranhar im/posto aqui vai maiúsculo mesmo que é realmente para você estranhar, uma vez que a escrita colocada como natural apresenta-se toda em minúsculas. Estranhou?)

Diante desta banalização posta, em ato performático realizado na estação República quinta-feira passada, pudemos ouvir de uma mulher passante como reação à cena de agressão apresentada “dá um homem pra cada uma das três que resolve”. A cena em questão mostrava uma mulher sendo agredido por duas figuras masculinas (representadas por mulheres) e com indícios, também, de violência sexual.

Me pergunto o que de leitura e possibilidade de interpretação de signos pode se concluir desta mulher ao fazer tal comentário? A cena era clara, direta, não teatro com alto grau de simbolismos e semióticas. Já que a mesma referiu em “dar a cada uma das três um homem”, penso se a atuação visando a verossimilhança de dois atores, homens, portanto, poderia facilitar a interpretação… Contudo isso não importa tanto.

Aqui assumo eu a necessidade de ser feminista. Mais ainda no sentido de sua precisão clara, uma vez que a frase ouvida veio justo de uma mulher. Uma mulher que se tivesse pensado realmente em sua condição enquanto sexo biológico e realizado o exercício de reflexão não-imediatista em relação ao que assistia, possivelmente estaria somando conosco na ação.

Há um certo disfarce de negação de conceitos que são reforçados por muitas pessoas e que, no entanto, nem ao certo sabem seu significado.

Torna-se tudo um movimento apofático (que assume-se por negação): não sou feminista, não sou pró-socialismo, não sou pró direitos humanos lgbt, não sou etecetera.

“Para que tudo isso se somos todos iguais?”

Gostaria eu também de saber para que tudo isso, mas não tive tempo de descobrir porque estou exatamente dentro disso tudo pois opressões não esperam a hora para atuar não.
Enquanto isso são mulheres estupradas em seu local de trabalho, são transexuais torturadas pela polícia, sendo gracejo para a conversinha no horário de almoço, são falácias sem estudo histórico atacando o por quê da existência das cotas raciais universitárias, são estatísticas da maior quantidade de assassinatos serem jovens negra/os , pobres, moradora/es da periferia, são mulheres morrendo por abortos não legalizados, são dados que seguem apontando que a cada 24 segundos uma mulher é agredida no Brasil (já estou escrevendo este texto tem mais de uma hora e me pergunto: Como estão vocês, mulheres sobreviventes?).

Isso tudo faz sim eu me assumir.
Uma mulher assumida/mente feminista.

Por mim.
Por ela.
– ela, moça terceirizada da cabine de recarga –
–  ela, Verônica transexual torturada pela polícia –
– ela, preta Cláudia arrastada por viatura –
– ela, moça denunciada por não ético médico no socorrer de aborto –
– ela, tomando agora soco de tal marido –
– ela momento exato em que você lê este texto sendo violentada –
– ela dupla jornada: lava-passa-cozinha-estende-almoço-jantar-filha-filho. Marido nonada deitado sofá –
Por elas.
Por todas.

SEJAMOS TODAS ASSUMIDAS.

[p.s. para quem achou que eu assumiria outras coisas e para não dar margem de dúvidas – já que eu assumo tudo que sou – deixo aqui assumido que, sim, sou uma mulher lésbica. O que também faz disso um posicionamento e enfrentamento político. Mas isso quem me conhece já sabe]

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